sábado, 13 de junho de 2009

Ecos do FAM

Acabou a semana. Acabaram minhas férias. Acabou o FAM. Depois de uma semana esquentando as cadeiras do Centro de Eventos da Universidade Federal de Santa Catarina e auditórios adjacentes, fui veementemente convidada a comparecer na vida real.

A 13ª edição do Florianópolis Audiovisual do MERCOSUL contou com uma estrutura bem maior (e melhor) que a dos anos anteriores, um número recorde de países participantes (12) e nada menos que 200 filmes, alguns que ainda não estrearam no circuito comercial e outros que nem irão. O espaço entre a Erva do Rato, filme de Júlio Bressani, que abriu o festival, e Budapeste, o derradeiro, de Walter Carvalho, foi preenchido com uma gama de curtas e longas metragens que iam da animação a documentários. Teve mostra francesa, portuguesa, cordobesa e outras que não levavam o esa, como a peruana e de vídeos feitos por celulares, ou melhor, por pessoas que utilizaram seus mobiles para filmar (Mostra Art.Mov). Também teve bandinha, workshops, lançamentos, homenagens e palestras, tudo para todos os gostos e para quem tinha tempo para ficar lá o dia inteiro (aaah! as férias...).

Mas isso tudo é apenas para situar o leitor (se é que eles existem) no contexto em que assisti Dub Echoes, um dos melhores filmes da amostra, dirigido e produzido pelo jornalista carioca Bruno Natal e com pesquisa de Chicodub.

Plena terça feira à tarde (que saudades das minhas férias!!!) esta que vos escreve deslocou-se para a UFSC para assistir o documentário que conta a história do dub e a sua influência no hip hop e na música eletrônica atual. Surgido na Jamaica nos anos 70, invadiu as sound sistems e conquistou a Europa, local onde é muito mais utilizado, já que no seu berço foi colocado de escanteio. Destacando a bateria e as linhas graves do baixo, utiliza-se do reverb para a propagação ecoante do som.

Dub Echoes não é apenas história, ele esmiúça a técnica e sua utilização, e te faz perceber o quanto este recurso utilizado por músicos (Asian Dub Foundation, Thievery Corporation, Nação Zumbi, só para citar alguns) e produtores do gabarito de Mário Caldato invade o corpo e reverbera na alma. Torna-se uma verdadeira aula com professores mais do que gabaritados como Bunny Lee (produtor e incentivador do falecido King Tubby, o cara que começou com toda a história do dub), Mutabaruka e Lee “Scratch”Perry.

O filme é uma produção independente e levou 5 anos para ser finalizado. Via blog consegui entrar em contato com o Bruno Natal que me concedeu a entrevista que segue abaixo.

Quando e porque você resolveu fazer um filme sobre o Dub?

A idéia surgiu em conversas minhas com o pesquisador Chicodub. Sempre fomos fãs de reggae e música eletrônica e comentávamos o quanto que as técnicas, estética e postura do dub haviam sido encorpordas por outros gêneros, principalmente o drum' n bass. Quando pintou a chance de ir pra Jamaica, por um outro trabalho, decidimos que era a hora decomeçar um filme pra registrar essas conexões, coisa que não havia sido feita ainda.

Você produziu e dirigiu o filme. Que elementos levou em consideração ao escolher o que seria exibido?

Eu e principalmente o Chicodub fizemos uma lista de artistas do nosso gosto pessoal nos quais percebíamos uma forte influência do dub. Somamos a essa lista alguns nomes fundamentais da história desses gêneros e fechamos uma lista dos sonhos. Conseguimos falar com quase todo mundo que estava nela.

Como foi o seu encontro com Lee Perry?

Foi muito por acaso. Tentamos muito falar com ele, desde que começamos o filme, mas sempre desencontrávamos ou nem mesmo conseguiamos contactar sua equipe. Quando ele veio ao Brasil, tentei de tudo e mesmo assim, quando ele soube do pedido de entrevista, negou. O produtor da turnê dele, sensibilizado, nos convidou para ao menos ir ao camarim após o show, para tirar uma foto com ele de recordação. Fui sem câmera, sem a menor esperança de conseguir a entrevista, o produtor tinha inclusive avisado pra não tocar no assunto. Chegando lá, o próprio Lee Perry puxou o papo e nos convidou para ir ao hotel no dia seguinte, antes dele pegar o avião, para falar para o filme. Era tudo que faltava para o filme ficar completo.

Conte alguma história que considera interessante e que não foi para o filme por algum motivo.

O produtor Mario Caldato contou uma história de uma gravação com o Lee Perry na casa do Sean Lennon, para um disco do Beastie Boys, em que o velhinho pegou uma flauta do pai de Sean, usou como baqueta e quebrou o instrumento. Para quem não sabe, o pai do Sean é ninguém menos que John Lennon. Apesar de muito boa, a história não acrescentava nada ao ponto principal do filme.

De que forma o Dub influenciou a música no Brasil? Quem hoje em dia, no Brasil, faz Dub?

O dub chegou por aqui mais como técnica, abordagem de técnicas de estúdio do que como um estilo ou gênero musical. Isso que é interessante, porque a mistura deu liga com muita gente, de Lucas Santtana a Nação Zumbi, CéU, Mombojó. Produzindo dub mesmo aqui no Brasil tem bastante gente boa: Digitaldubs Sound System (que fez atrilha original do filme), Echo Sound System, Buguinha Dub, o americano radicado em SP, Victor Rice, bastante gente.

Você considera o Dub um estilo ou um recurso?

Sem dúvidas, um recurso. Como diz o Marcelo Yuka no filme, "é uma maneira de ver a música".

O filme foi lançado primeiro na Europa. Porque isso? Qual a aceitação do público europeu? Que diferenças você encontra entre esse público e o brasileiro?

Por mais pedante que isso possa soar, pela minha experiência nos festivais europeus com o filme, o público de lá é infinitamente mais interessado. Mais do que isso, por lá eles tem mais noção do trabalho e esforço envolvido para se fazer um filme e tem noção da importância histórica desse tipo de registro. Enquanto por aqui é tudo visto como uma grande excentricidade, parece. Não a toa choveu convites para festivais, selos interessados em lançar e resenhas na imprensa por lá, e por aqui... Bom, nem precisa falar.

Onde o filme tem sido apresentado no Brasil? Como tem sido a aceitação do filme pelo público brasileiro ? Como o grande público pode ter acesso ao filme?

O filme passou no festival FILE aqui no Brasil, numa exibição muito pequena e confusa. Passou também na Bienal de SP dentro de uma seleçãodo Resfest e no FAM, em Florianópolis. Agora tem umas datas no festival In-Edit, em SP e no RJ, vindo em julho. O melhor caminho para ver o filme é mesmo comprar o DVD.

Como surgiu a oportunidade de exibir o filme no Florianópolis Audiovisual do MERCOSUL? O que você achou da repercussão do filme no evento?

A produção convidou. Não sei da repercussão pois não estive no evento.

O cd com A trilha sonora oficial do filme foi lançada este ano em Londres. Quando será lançado no Brasil?

O disco não sairá por aqui.

Como você vê a produção audiovisual independente no Brasil? Como você percebe a aceitação do público em relação aos filmes fora do circuito comercial?

É difícil e existe pouco incentivo. Quem faz, realmente, é por amor.

Tem algum outro projeto em vista?

Vários!