sexta-feira, 26 de setembro de 2008

ESPORTE: muito além da atividade física.

Publicado na Revista Juice - Março/Abril de 2005

Três e meia da tarde de um dia de janeiro nublado. Um dia morno no mais amplo sentido da palavra... Um jovem cuja idade é indefinível em função das marcas de sofrimento estampada no rosto mulato e no olhar que nada vê, está sentado na calçada sobre o seu instrumento de trabalho: uma caixa para engraxar sapatos. Frente à morosidade do dia, a única solução que conseguiu encontrar foi colocar um saco plástico sob a camiseta surrada e inspirar a cola para preencher a falta que sente: de trabalho, de objetivo, de perspectivas. Anda pela calçada completamente sem rumo... refletindo a falta de rumo da sua vida particular. Como meio e fim da viagem: a cola de sapateiro.
E continuou ali, sentado, vendo a vida passar...
E quando dei por mim também estava vendo a vida passar, como um filme, na minha frente. Comecei a questionar-me sobre as oportunidades que a vida nos oferece e lembrei-me do discurso “todo-poderoso” de que ela está aí para todos. Mas a verdade é: as oportunidades estão aí para mim, para você, mas há muita gente que não tem o mínimo de acesso a outros mundos, outras realidades; muita gente que não tem acesso à informação, a cultura e ao lazer. E que talvez, também não esteja muito interessado nisto, porque ele não consegue pensar, pois toda vez que pensa, o estômago ronca e o instinto animal aflora de uma tal forma que se torna capaz de roubar ou até mesmo matar. Nem todos têm as oportunidades que tivemos, nem todos têm o acesso as informações que temos, e nem todos dentre os privilegiados têm consciência disto.
Uma vez li uma entrevista com o diretor de cinema Fernando Meirelles, onde ele declarava que a grande saída para o Brasil são os projetos sociais. Concordei com ele, se não há oportunidades então podemos criá-las. Esporte e projeto social tem tudo a ver!
Colocar a molecada para andar de skate, pegar onda, nadar, correr, enfim, independente do esporte, aumenta a auto-estima e de quebra ainda podemos descobrir um futuro talento esportivo. O grande objetivo não é descobrir grandes atletas, isto é conseqüência, o objetivo maior se centra em dar perspectivas para quem já não as tem, inserindo-as socialmente através do esporte. A partir da prática esportiva, a criança tem sua auto-estima revelada e a possibilidade da descoberta de uma profissão futura, na qual adquirirá reconhecimento social.
O jovem passa a descobrir a existência de outros mundos possíveis, o prazer da prática esportiva, do auto-conhecimento e da auto-estima, o prazer do lazer, do brincar e do grupo social. O esporte abre-se como o caminho para a construção de cidadãos responsáveis pela construção de sua própria história. Conscientes e com coragem de lutar pelos seus objetivos, por suas necessidades. É isso que precisamos, de pessoas com coragem de seguir em frente, com atitude perante a sua própria vida, perante as suas escolhas. Pessoas conscientes de que não basta ter apenas suas necessidades básicas atendidas, pois como o próprio nome já diz: são básicas , essenciais, indispensáveis. Ninguém quer apenas sobreviver, precisamos viver. Porque ninguém quer só ter comida, também queremos e necessitamos de diversão e arte!

segunda-feira, 28 de julho de 2008

FORA DE CONTROLE

Nasci em 1976. Joy Division também. Fui escutar sua música muitos anos depois, mas a poesia densa de Ian Curtis e sua melodia mórbida influenciou grandes bandas da minha pré-adolescência, como Talking Heads e New Order. Esta última formada pelos remanescentes do Joy Division após a morte do vocalista Ian Curtis.
“Control”, dirigido pelo fotógrafo Anton Corbijn, autor das mais famosas fotos da banda, retrata a vida e o conflito de Curtis até o seu suicídio em 1980. Sim, ele morre no final, e não há problemas em contar, já que acredito que a grande maioria que assiste o filme já vai sabendo o desfecho da história.

“A existência....porque dar importância a ela?”

Exprimindo o pensamento de Ian Curtis, é esta frase desesperançosa que dá início a história. Ninguém melhor que um fotógrafo para dirigir um filme sobre um homem afundado em si mesmo, capaz de exprimir seus conflitos apenas através da poesia. A fotografia em preto e branco retrata bem a angústia em que vivia o artista, algo que não era exclusivo dele, mas característico da sociedade inglesa da época, afundada em profunda depressão econômica e desacreditada em qualquer futuro.
Era o auge do movimento punk britânico. Sex Pistols, Lou Reed, The Stooges. Era neles que a adolescência britânica apoiava-se. Foi inclusive na saída de um show do Sex Pistols que a Joy Division se formou.
Curtis era catártico no palco. Seu olhar parecia oscilar entre uma indiferença sonolenta e um transbordamento de emoções caóticas. Suas letras não protestavam contra a ordem estabelecida, falavam talvez, do reflexo que esta ordem causava em si e com a qual toda a sua geração identificava-se. Era uma lógica subjetiva, não social.
Como o filme é baseado no livro de Débora Curtis (esposa de Ian), "Touching from a Distance", ele gira em torno da divisão emocional de Ian entre a família que construiu precocemente, a amante, a música e a epilepsia que o consumia. Esta última chega a ser glorificada como parte de uma performance esdrúxula, como mostra quando ele tem um ataque em pleno show cantando “Dead Souls”.
Curtis parecia dominar a sua esposa, da mesma forma que parecia exercer um controle constante sobre suas emoções, através de um não envolvimento com os que o rodeavam. Parecia estar presente apenas de corpo e suas crises poderiam muito bem refletir o extravasamento deste imenso fluxo de sentimentos contidos. Sublimava tudo isto na música, na sua poesia, na sonoridade mórbida, na movimentação freneticamente peculiar do seu corpo. Ian pareceu-me inacessível. Mas isto não importa.
A fotografia do filme fala por si só, a trilha sonora escancara, o ator encarnou o personagem de forma assustadora, o filme perturba, considero uma verdadeira obra de arte. CLAP, CLAP, CLAP....

sábado, 26 de julho de 2008

SOBRE PRÍNCIPES E SAPOS

Ontem fui dormir cedo, principalmente para uma sexta-feira. Coloquei a cabeça no travesseiro e o celular começou a tocar, era uma amiga geminiana, sócia de uma grande operadora de telefonia celular. Não sei se vocês sabem, mas pessoas geminianas são regidas por Mercúrio, o planeta da comunicação (assim como eu, "cândida" virginiana), dessa forma adoram gastar seu latim. Também não conheço nenhuma pessoa nascida sob este signo que tenha feito pacto com a sanidade, mas enfim, o que quero dizer é que lá se foi meu sono destilar-se em uma hora e meia de conversa. Tudo bem, era ela quem estava pagando.
Mas foi dessa convenção via Embratel, que me surgiu a idéia de falar sobre príncipes e sapos. As mais variadas pautas estiveram presentes, mas teve uma em especial que me fez rachar o bico de tanto rir, levando-me a lembrar de várias outras histórias semelhantes: a capacidade que sapos e príncipes têm de se metamorfosearem um em outro.

A primeira história que me vem sempre a cabeça é de uma amiga que em uma bela manhã liga-me contando que tinha conhecido um belíssimo príncipe. Ele era alto, atlético, esportista, inteligente, usava um cavanhaque, entendia de arte e gostava de cinema. Um mês depois ele era barrigudo, ignorante, não existia coisa mais brega que aquele cavanhaque ridículo que ele insistia em usar, tinha um mau gosto desgraçado, falava o que não devia na hora em que não devia, era péssimo no esporte que praticava e cinema só gostava mesmo dos blockbusters. Ele era uma tragédia em forma humana. Pra mim tudo isso era uma comédia.
Tenho uma amiga que não acredita em príncipes, para ela todos são sapos. E mesmo os que parecem príncipes ela move mundos e fundos para desmascarar o infeliz. Porque não é que ele tenha uma porção sapo, para ela todos são sapos em sua totalidade. Ela tenta "aceitá-los" assim, aproveitando para exercer seu sarcasmo e masoquismo.

Para uma outra todos são príncipes, mesmo que pareçam sapos. Ela tem fé. Na verdade os moçoilos acham que o sapo é ela. Após o primeiro beijo ela solta uma gosma pegajosa que tanto príncipes como sapos saem correndo na velocidade da luz. Tem também aquela que gosta mesmo é dos sapos, e eles nunca se transformam em príncipes. Ela adora um ogro.
Bem, sapos e príncipes não existem, assim como não existe perfeição. Isso tudo às vezes só pode ser resolvido com um psicanalista ou, quem sabe, uma boa dose de realidade.

quinta-feira, 24 de julho de 2008

PRA E.T. VER

No dia 15 de junho, foi lançada ao espaço a mais megalomaníaca campanha publicitária já vista na Via Láctea. Além de invadir as telas inglesas, a Doritos enviou uma mensagem, na velocidade da luz, aos planetas que orbitam ao redor da estrela Ursa Maior, que está a 42 anos luz da Terra. O comercial foi escolhido entre uns tantos que participaram de um concurso (You Make It We Play It) realizado pela Doritos do Reino Unido. Parece piada, mas é a mais pura verdade.
A "singela" pretensão é a conquista de possíveis consumidores alienígenas. A mensagem chegará ao seu destino em 2050, mas só começaremos a receber os pedidos de salgadinhos a partir de 2092. Espero que até lá ainda tenhamos água para plantar o trigo e o milho e não deixar os E.T.'s na baga. Só mesmo dando com um gato morto na cabeça.
Segue abaixo o comercial intergaláctico e os 4 outros finalistas.



segunda-feira, 14 de julho de 2008

VOCÊ TEM FOME DE QUÊ?

Há uns anos atrás li na revista Colors, publicada na internet e que costuma a cada edição explorar uma palavra e as diferentes relações/siginificados que esta pode adquirir, o conceito de “Lust”. A publicação é em inglês, mas “lust” significa, em bom português, “apetite sexual”. As fotos e textos que decoravam o artigo iam desde as prostitutas expostas nas sex shops de Amsterdan, passando pelas mais variadas marcas do mundo fashion até junkies foods. Todos estimulando nossos sentidos, nossos desejos e criando-nos necessidades.
Por aí vem a questão do porquê consumimos. Não precisa ter uma mente brilhante para entender que 90% do que compramos não é por necessidade. Compramos para “ser”, ou melhor, achar que “somos”. Ninguém vende produtos, vende-se status, sonhos, identidades e identificações. Se nós, “adultos”, somos constantemente seduzidos pelos apelos da publicidade, o que dizer das crianças e adolescentes, “vorazes consumidores”, e para os quais uma grande parte da mídia publicitária é voltada?
Essa semana foi aprovado pela Comissão de Defesa do Consumidor da Câmara dos Deputados, um projeto que acaba com toda e qualquer propaganda voltada diretamente para às crianças. Em mais um jogo de persuasão, o que já era de se esperar, já surgiu gente aclamando a inconstitucionalidade do projeto. Claro está que só reclama quem vem a perder com isso: empresários do ramo e publicitários da área.
Mas até chegar a decisão final muita água ainda vai rolar, pois o tal “projeto” (o nome já diz tudo) ainda deve tramitar, mesmo que de forma conclusiva pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara, para então ir à votação no Senado.
O projeto é positivo, um avanço contra apelos escancarados de consumo que circula o tempo inteiro na televisão e em outros meios. Ainda não se sabe quem está ganhando com isso, já que a mídia vive de publicidade e crianças são um grande nicho de mercado. Se aprovado, as propagandas passarão a ser destinadas aos pais, como se esses fossem imunes à sedução. Pais adoram transformar seus filhos em obras pessoais. Esperaremos as estratégias do próximo intervalo.

sexta-feira, 11 de julho de 2008

NAIVE NEW BEATERS

Bandinha francesa e seu clipe "Pipoca". "Live Good" tem uma batida gostosa, apesar de repetitiva (daquelas que ficam buzinando no ouvido), mas o efeito especial com placas de vídeo (Chroma Key?????) e o estilo "excentric dance trash colors"(???????) da banda fazem da originalidade esdrúxula a alma do negócio. É no mínimo divertido...

terça-feira, 8 de julho de 2008

CORPO-MÍDIA

Cena Urbana: pessoas transitam apressadamente. Muitas luzes. Gritos e sussurros incompreensíveis espalham-se na multidão. Carros buzinam. Param. Aceleram. Mudam de direção. Através de signos dizem onde vão e a urgência com que querem chegar. Tudo está em movimento. Constante mutação. Pessoas vestem roupas compridas, largas e justas, usam cabelos vermelhos, amarelos e azuis. São altas e baixas, magras e gordas, passam desfilando a heterogeneidade de seus corpos. Pessoas são atores do teatro urbano que dispensa palavras. Imagens falam mais. Corpos desenhados, corpos transformados. Corpos que falam. Dizem quem são. Imagina-se o que pensam e sentem.
Não há como escapar: vivemos na era mídia, uma sociedade de comunicação generalizada. Tudo comunica, inclusive os corpos flutuantes no cenário da cidade.
Estilos gritam atitudes. Homens engravatados, cabeça raspada, nariz argolado. Mulheres de longo, cabelos vermelhos, sandália rasteira, corpo tatuado. Adolescentes se beijam, vestem meias três quartos. Crianças que choram, mães que se irritam, carros que passam. Peitos à mostra, pernas cruzadas, botas coturnos, olhos caídos, cabelos ensebados, braços que falam. As imagens provocam. A invasão do cotidiano pelas imagens chega a um nível tal de saturação que o homem passa a relacionar-se com o mundo e consigo próprio através de um fluxo incessante de signos e significados. O olhar consome mais rápido, o imperativo do momento são as sensações provocadas pelo visual. Toda essa sedução só poderia cair em um único lugar: o corpo do sujeito.
Lugar das emoções, sensações e prazeres, lugar da identidade psíquica e sexual, o corpo é o que me diferencia do outro. E é sobre ele que a cultura irá agir, é ele que será o agente da reprodução social. Corpos dóceis e homogêneos transitam contrastando com corpos transgressos e diferenciados.
O foco é o corpo. Este deve ser magro, alto, forte, ágil e jovem; ele não é mais o meio, mas o fim, transforma-se em objeto de desejo e sedução. Construído dentro do padrão socialmente aceito exprime status, felicidade e é sinônimo de sucesso e de resolução íntima, mesmo que a realidade entre quatro paredes seja outra. Submete-se a intervenções cirúrgicas, tira, coloca, aumenta, diminui, puxa, repuxa, transforma: tudo em nome do “elevado ideal” de se adequar a um padrão imposto. Daqui a pouco tudo muda novamente...


Muda-se. Transforma-se. Parece que não nascemos estéticamente prontos para a vida. Marcam-se corpos com desenhos e ferros, já que alguns deles são hoje aceitáveis, apesar de já terem estado à margem. Marcam estilos e tribos, oscilam entre a diferenciação e o pertencimento, expressam sentimentos individuais e originalidade, têm função contestatória contra o efêmero, mas também adquirem uma lógica mercadológica de consumo, moda e estilo massificado. Pura estetização corporal. A sexualidade em voga.

Declaração da intimidade, confissão pública de estilos, seqüestro de estilos singulares e sua transformação em bens de consumo. Hoje qualquer um pode ser punk, hippie, emo, surfista ou clubber, para em um segundo momento ser patricinha, skatista, roqueiro, rapper ou drag queen. O corpo veste estilos para dizer quem é, meu corpo e meu estilo me desnudam. Ainda posso ser outra coisa. Qualquer coisa. Enquanto a tatuagem e o body piercing ganharam as ruas, outras práticas de marcação corporal surgem ainda na marginalidade. Estas vão desde implantes de aço cirúrgico sob a pele, passando pela formação de cicatrizes pelo corpo com ferro em brasa, alargamento de orifícios do corpo, bifurcação da língua e até mesmo amputação de partes do corpo por vontade própria. Em alguns casos mais de uma dessas técnicas são usadas, chegando até mesmo a modificação total do corpo natural.
Se tudo é moda, passageiro, a permanência mantêm-se como forma de contestação na atualidade. Onde há imposições há também linhas de fuga, formas de subversão. Onde nada se solidifica surgem expressões radicais da identidade. Algumas pessoas buscam nessas práticas atingir estados alterados de consciência pela dor, mas buscam também uma forma de conhecimento. À medida que transformam seus corpos reconhecem a si mesmo.
Essas pessoas têm em comum um sentimento de estranheza, de não pertencimento, não se reconhecem em seus corpos, e portanto os transforma em algo que lhes pareça familiar.Ao mesmo tempo, contestam os padrões de beleza vigente, adquirindo formas que nos parecem bizarras por fugir da estética a qual estamos acostumados, transformam-se naquilo que acreditam existir dentro de si, segundo padrões pessoais e não sociais. Fazem de si mesmos sua obra de arte.
Enquanto tais práticas ainda são vistas com horror o mesmo parece não acontecer com os procedimentos estéticos socialmente aceitos. Estes agridem o corpo tanto quanto, mas por enquanto são os primeiros que estão à margem. Talvez em um futuro muito próximo as formas de expressão da contemporaneidade não sejam suficientes para informar quem somos. E já não os são. A liberdade de escolha é o que está em jogo, inclusive a liberdade de não querer se exprimir. Cada corpo é uma mídia, que cria valores, lança informação, constrói estilos, inventa moda, seduz, desperta sentimentos e induz a ação. Cada corpo é uma mídia. Cabe a você escolher a programação.

1ª, 2ª, 4ª e 5ª fotos: Geoff Cordner
3ª foto: Christopher Wright