quinta-feira, 5 de agosto de 2010

A VIDA ALÉM DO ÓBVIO

Os Skrotes. Não, não há aí nenhum erro de digitação, eles são Os Skrotes. Se subverter a ordem das coisas fosse proibido, pelo menos na música nada mais original surgiria. Eles não tem nada a ver com o pop rock inglês, ou daqui há pouco o estão usando como mais um ingrediente na improvisada mistura psicodélica que fazem.

Pegue o jazz, misture com o rock, de uma salpicada com reggae, jogue uns sintetizadores, uma boa dose de funk setentista e uma pitada dos melhores ritmos brasileiros, ta aí, você tem “Os Skrotes”.

Surgidos em 2009 em um inferninho da capital catarinense tem chamado a atenção pela autenticidade e qualidade sonora do que criam. Entre recriações e canções próprias conseguem fazer muita gente sair de casa para vê-los tocar.

Se no início era improvisação pura, com a saída do antigo baixista e a chegada de Chico Abreu em seu lugar, a banda, que conta ainda com Igor de Patta nos teclados e Guilherme Ledoux na bateria, começou a se estruturar.

Das suas criações saiu um material que serviu de trilha sonora para um documentário realizado pela Vinil Filmes, o “Ilha 70”, lançado entre abril e maio deste ano e que aborda a cultura e comportamento de Florianópolis nos anos 70. Dessa parceria também sairá um DVD, que mostrará a banda trabalhando com diferentes produtores em diferentes estúdios, bem no estilo “mix-up”.

Suas influências são as mais variadas possíveis: vão de Ramones ao Funkadelic, passam pelos Beatles e Santana, bebem na fonte de Mile Davis, trocam idéia com Bob Marley e John Coltrane, absorvem os ensinamentos de Tchaicovsky, e por aí vai. É a pós-modernidade.

Eles querem provocar. Não tem letras, é tudo instrumental, indo bem ao encontro da proposta da banda, que é, segundo seus músicos, “não ter propostas, deturpar ou alterar lembranças e possibilitar vôos personalizados e livres”.

Em plena ebulição, os caras estão correndo atrás para corresponder o inesperado recebimento do público. Daqui há uns dois meses devem entrar em estúdio para gravar seu primeiro CD. Enquanto isso, o baterista Ledoux, que também é cineasta, prepara um vídeo experimental de média metragem, com aproximadamente 20 minutos, sobre a banda.

No mais, é acessar o http://www.myspace.com/osskrotes ou vir curtir um frio em Floripa e assim, aproveitar para chacoalhar o corpo na pistinha de algum inferninho em que os caras estejam tocando. É isso.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Simplesmente Ela



Ontem voltei completamente absorta pelo monólogo “Simplesmente eu, Clarice Lispector”; encenado, roteirizado e dirigido por Beth Goulart.

O cenário, a semelhança física, o texto, a fala ritmada, a iluminação.

A luz acende. Apaga. Quando vai reacendendo é como se abrisse uma sessão espírita (juro que não é deboche, ela realmente “incorpora”) e a atriz, de costas, levanta o braço com um cigarro aceso e o leva em direção a boca. Seu movimento é muito similar aos trejeitos da escritora. Arrepia.
O cenário parece contribuir para o clima de post-mortem. Seu fundo, formado de tiras brancas que, às vezes, pareciam prata ou cristal, remetia a um cenário “além da vida”.

Achei que a peça pudesse beirar a angústia, como sugeriu um amigo. Não era. A única angústia foi criada por um povo que não parava quieto e ficava desgrudando suas coxas de um couro antigo que balançava a cadeira e fazia: nhéc, nhéc, nhéc. Tenso.

O texto disseca Clarice, sua relação com a escrita e consigo mesmo. Em alguns momentos a atenção tem que ser excessiva, e você mergulha mentalmente palco adentro. São os trechos mais subjetivos, que precisariam ser lidos pelo expectador para serem melhor absorvidos. Mas é exatamente a necessidade da atenção excessiva que fornece o clima denso que caracteriza a obra.
A peça é um apanhado de trechos de textos e livros da escritora. Pelo trabalho, Beth Goulart recebeu o Prêmio Shell 2009 de melhor atriz. Nada mais justo.