terça-feira, 8 de julho de 2008

CORPO-MÍDIA

Cena Urbana: pessoas transitam apressadamente. Muitas luzes. Gritos e sussurros incompreensíveis espalham-se na multidão. Carros buzinam. Param. Aceleram. Mudam de direção. Através de signos dizem onde vão e a urgência com que querem chegar. Tudo está em movimento. Constante mutação. Pessoas vestem roupas compridas, largas e justas, usam cabelos vermelhos, amarelos e azuis. São altas e baixas, magras e gordas, passam desfilando a heterogeneidade de seus corpos. Pessoas são atores do teatro urbano que dispensa palavras. Imagens falam mais. Corpos desenhados, corpos transformados. Corpos que falam. Dizem quem são. Imagina-se o que pensam e sentem.
Não há como escapar: vivemos na era mídia, uma sociedade de comunicação generalizada. Tudo comunica, inclusive os corpos flutuantes no cenário da cidade.
Estilos gritam atitudes. Homens engravatados, cabeça raspada, nariz argolado. Mulheres de longo, cabelos vermelhos, sandália rasteira, corpo tatuado. Adolescentes se beijam, vestem meias três quartos. Crianças que choram, mães que se irritam, carros que passam. Peitos à mostra, pernas cruzadas, botas coturnos, olhos caídos, cabelos ensebados, braços que falam. As imagens provocam. A invasão do cotidiano pelas imagens chega a um nível tal de saturação que o homem passa a relacionar-se com o mundo e consigo próprio através de um fluxo incessante de signos e significados. O olhar consome mais rápido, o imperativo do momento são as sensações provocadas pelo visual. Toda essa sedução só poderia cair em um único lugar: o corpo do sujeito.
Lugar das emoções, sensações e prazeres, lugar da identidade psíquica e sexual, o corpo é o que me diferencia do outro. E é sobre ele que a cultura irá agir, é ele que será o agente da reprodução social. Corpos dóceis e homogêneos transitam contrastando com corpos transgressos e diferenciados.
O foco é o corpo. Este deve ser magro, alto, forte, ágil e jovem; ele não é mais o meio, mas o fim, transforma-se em objeto de desejo e sedução. Construído dentro do padrão socialmente aceito exprime status, felicidade e é sinônimo de sucesso e de resolução íntima, mesmo que a realidade entre quatro paredes seja outra. Submete-se a intervenções cirúrgicas, tira, coloca, aumenta, diminui, puxa, repuxa, transforma: tudo em nome do “elevado ideal” de se adequar a um padrão imposto. Daqui a pouco tudo muda novamente...


Muda-se. Transforma-se. Parece que não nascemos estéticamente prontos para a vida. Marcam-se corpos com desenhos e ferros, já que alguns deles são hoje aceitáveis, apesar de já terem estado à margem. Marcam estilos e tribos, oscilam entre a diferenciação e o pertencimento, expressam sentimentos individuais e originalidade, têm função contestatória contra o efêmero, mas também adquirem uma lógica mercadológica de consumo, moda e estilo massificado. Pura estetização corporal. A sexualidade em voga.

Declaração da intimidade, confissão pública de estilos, seqüestro de estilos singulares e sua transformação em bens de consumo. Hoje qualquer um pode ser punk, hippie, emo, surfista ou clubber, para em um segundo momento ser patricinha, skatista, roqueiro, rapper ou drag queen. O corpo veste estilos para dizer quem é, meu corpo e meu estilo me desnudam. Ainda posso ser outra coisa. Qualquer coisa. Enquanto a tatuagem e o body piercing ganharam as ruas, outras práticas de marcação corporal surgem ainda na marginalidade. Estas vão desde implantes de aço cirúrgico sob a pele, passando pela formação de cicatrizes pelo corpo com ferro em brasa, alargamento de orifícios do corpo, bifurcação da língua e até mesmo amputação de partes do corpo por vontade própria. Em alguns casos mais de uma dessas técnicas são usadas, chegando até mesmo a modificação total do corpo natural.
Se tudo é moda, passageiro, a permanência mantêm-se como forma de contestação na atualidade. Onde há imposições há também linhas de fuga, formas de subversão. Onde nada se solidifica surgem expressões radicais da identidade. Algumas pessoas buscam nessas práticas atingir estados alterados de consciência pela dor, mas buscam também uma forma de conhecimento. À medida que transformam seus corpos reconhecem a si mesmo.
Essas pessoas têm em comum um sentimento de estranheza, de não pertencimento, não se reconhecem em seus corpos, e portanto os transforma em algo que lhes pareça familiar.Ao mesmo tempo, contestam os padrões de beleza vigente, adquirindo formas que nos parecem bizarras por fugir da estética a qual estamos acostumados, transformam-se naquilo que acreditam existir dentro de si, segundo padrões pessoais e não sociais. Fazem de si mesmos sua obra de arte.
Enquanto tais práticas ainda são vistas com horror o mesmo parece não acontecer com os procedimentos estéticos socialmente aceitos. Estes agridem o corpo tanto quanto, mas por enquanto são os primeiros que estão à margem. Talvez em um futuro muito próximo as formas de expressão da contemporaneidade não sejam suficientes para informar quem somos. E já não os são. A liberdade de escolha é o que está em jogo, inclusive a liberdade de não querer se exprimir. Cada corpo é uma mídia, que cria valores, lança informação, constrói estilos, inventa moda, seduz, desperta sentimentos e induz a ação. Cada corpo é uma mídia. Cabe a você escolher a programação.

1ª, 2ª, 4ª e 5ª fotos: Geoff Cordner
3ª foto: Christopher Wright

Um comentário:

Tharci disse...

Esse eu lembro, li e ajudei a revisar! Muito bom mesmo! Digno de uma futura redatora da Trip... hehehe
Bjsss